Kalunga e Kalunga do Mimoso1 Kaled Sulaiman Khidir2 Às margens do Rio Paranã, constituiu-se um dos maiores redutos de luta contra a escravidão e opressão aos africanos que foram trazidos à força para o Brasil. O quilombo dos Kalunga teve seu início no ciclo do ouro com os bandeirantes que vieram para o norte do Estado de Goiás e trouxeram esses seres humanos em condições de escravos para trabalharem na mineração e outras atividades. Isso nos remete ao ano de 1722, quando as expedições de bandeirantes implantam nessa região o ciclo da mineração, à procura de ouro e pedras preciosas. Nesse processo, fundaram-se os arraiais de Cavalcante, nome que se manteve, Santo Antônio do Morro do Chapéu, hoje Monte Alegre de Goiás, Arraias, nome que se manteve e São José da Palma, hoje a cidade de Paranã. Baiocchi (2013) afirma que a partir do século XVIII, os africanos e seus descendentes começam a se abrigar nos platôs e vales serranos às margens do Rio Paranã, originando o Povo Kalunga. Para a autora, os Kalunga ficaram bibliograficamente conhecidos em 1962 por uma publicação de Manoel Passos. Sob o título Os Calungueiros, o engenheiro Manoel Passos (1962) do ministério da agricultura à época, apresenta o que segue: "com o nome de Calungueiros ficam designados os habitantes da região do Calunga, um pequeno quilombo que se estabeleceu às margens do rio Paranã, constituído de negros fugidos dos duros trabalhos da mineração das minas de ouro de Arraias, Monte Alegre e Cavalcante" (BAIOCCHI, 2013, p. 17, grifos da autora). A autora acrescenta que o Rio Paranã, morros e serras que o abrigam, bem como as lagoas interiores, compõem um conjunto mantenedor da vida e da reprodução histórico-social do povo Kalunga. Um quilombo que se estabeleceu às margens do Rio Paranã refere-se tanto à margem esquerda, Estado de Goiás, quanto à margem direita, hoje Estado do Tocantins. No Mapa 1, visualizamos os cinco municípios que possuem Territórios Kalunga. No início dos anos 1980, Baiocchi realizou uma pesquisa inaugural intitulada Kalunga: Povo da Terra. O objetivo da antropóloga com o estudo foi o de resgatar a trajetória do grupo, a memória histórica, identidade e cultura. Esta investigação desencadeou o processo de auto-reconhecimento do povo Kalunga como Comunidade Remanescente de Quilombo e, em 1991, o Estado de Goiás faz o reconhecimento do território dos Kalunga, denominado-o como Sítio Histórico e Patrimônio Cultural de Goiás. Em 1998, a Fundação Cultural Palmares certificou a comunidade Kalunga em Goiás e, em 2009, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto nº 12.315 que cria o Território Quilombola Kalunga, abrangendo 261.999 ha (duzentos e sessenta e um mil, novecentos e noventa e nove hectares). No Mapa 2, a seguir, é possível observar o Território Kalunga e seus limites nos três municípios goianos que ele perpassa. Mapa 2 - Território Kalunga nos municípios goianos. Durante o processo de reconhecimento dos Kalunga pela Fundação Cultural Palmares, a parte do território que perpassa o Estado do Tocantins (onde hoje é o Kalunga do Mimoso), ficou fora desse primeiro procedimento de identificação e regularização territorial por vários motivos, estudados e relatados pela antropóloga Rosy de Oliveira (2007) em sua tese de Doutorado (IFCS/UFRJ). Um dos motivos alegados para essa nova configuração, foi que alguns indivíduos desse grupo tinham noção de posse legal ou privada das terras e, mesmo não possuindo documento oficial para comprovar as posses, a designação de quilombola significaria abdicar do título individual da terra. As divisões políticas (Goiás e Tocantins) não se aplicaram a essa comunidade. Eles vivem nesse lugar geográfico desde o Brasil Colonial. Contudo, o processo de reconhecimento do povo Kalunga foi tratado em separado, como se fossem comunidades distintas. Assim, a certificação pela Fundação Cultural Palmares foi realizada primeiro com as famílias que vivem nos limites do Estado de Goiás e, por consequência, a demarcação do seu território. Em um segundo momento, o processo de reconhecimento e demarcação territorial foi realizado com os habitantes da parte tocantinense. Considerando-se a ação de grileiros cada vez mais atuante na região do Kalunga do Mimoso e as vantagens conquistadas pelos Kalunga em Goiás, os primeiros optaram pelo título de propriedade coletiva, reconheceram-se como remanescentes de quilombo e fundaram a Associação Kalunga do Mimoso. A comunidade Kalunga do Mimoso foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 12 de setembro de 2005. Em 16 de dezembro de 2010, o Governo Federal decretou a criação do Território Quilombola Kalunga do Mimoso com área de 57.465 ha (cinquenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e cinco hectares) distribuídos nos municípios de Arraias e Paranã. O território Kalunga do Mimoso (mapa 3) situa-se a sudeste do Estado do Tocantins. Mapa 3 - Território Kalunga do Mimoso no Tocantins. A comunidade está distribuída em treze núcleos residenciais/familiares, sendo eles: Albino, Aparecida, Areião, Belém, Crispiano, Curral Velho, Esperança, Forte, Matas, Mimoso, Ponta da Ilha, Santa Maria e Santa Rita. É composta por 250 famílias, tendo aproximadamente 1.500 pessoas. (ARAÚJO e FOSCHIERA, 2012). No Mapa 3, é possível visualizar o Território Kalunga do Mimoso e seus limites nos dois municípios tocantinenses por ele perpassados. Atualmente, na divisa entre os Estados de Goiás e Tocantins temos dois territórios de remanescentes quilombos, os Kalunga, em Goiás e os Kalunga do Mimoso, no Tocantins. Segundo dados antropológicos, eles pertencem a um mesmo grupo familiar e foram separados com a criação do Estado do Tocantins, em 1988. Contudo, a separação é apenas política, os Kalunga são um único povo e nunca se dividiram, como pode ser observado nas palavras de Rosy de Oliveira (2007): Antes da criação do Estado do Tocantins, na constituição de 1988, e de serem os Kalunga de Goiás definidos legalmente "como remanescentes de quilombolas", a partir da interpretação do artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, os chamados Kalunga do Mimoso se viam como pertencentes a Goiás e fazendo parte de uma mesma comunidade (OLIVEIRA, 2007, p. 84, grifos da autora). Os fatores expostos nos permitem compreender que o povo Kalunga é reconhecido pela Fundação Cultural Palmares e tem dois territórios devidamente demarcados, em processo de desapropriação. Seus territórios, atualmente, contam com 319.464 ha (trezentos e dezenove mil, quatrocentos e sessenta e quatro hectares). Mapa 4 - Territórios Kalunga e Kalunga do Mimoso. O povo Kalunga apresenta práticas socioculturais que se constituíram há cerca de três séculos. Ao longo do tempo, desenvolveu técnicas e formas de viver naquele lugar. Também estabeleceram maneiras de cultivar a terra, de criar animais e de desenvolver o extrativismo no cerrado. Produziram também técnicas de construção de edificações para moradia e outros fins. 1 Texto retirado da Tese Práticas Socioculturais Quilombolas para o Ensino de Matemática: mobilizações de saberes entre Comunidade e Escola de autoria de Kaled Sulaiman Khidir (2018). 2 Professor do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Arraias. Doutor em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: kaled@uft.edu.br
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